domingo, 31 de outubro de 2010

Wasted Land


Que raízes são essas que agarram, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam, nem te consola o
canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate,
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina se elevando ao teu encontro;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.

T.S. Eliot


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Porque mandam cartas

 
Especula-se que o sistema de correio está fadado a extinguir-se. É fato que o número de pessoas a utilizarem o serviço entrou numa (constante) decrescente porcentagem. Os gráficos são assustadores tanto para o governo quanto para os carteiros e derivados. 
Num ato desesperado somado com uma epifania promissora de um jovem empreendedor, os correios colocam um anúncio em circulação semelhante ao que vemos a seguir:
-Queridaa! Trouxe uma surpresa pra você!
-Um telefone! Ahh meu amor, não precisava...
-Agora vai ser muito mais fácil falar com quem está longe.
-Não meu bem, realmente não precisava. Os correios além de ser fácil, rápido, seguro e inteligente, agora oferece mais vantangens!
(Narrador) Com os correios você ganha mais! Quanto mais cartas você manda, mais prêmios você ganha. Aproveite nossos pacotes promocionais e leve o prêmio máximo!

Seria esse prêmio uma casa?
E as pessoas voltam a escrever.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Mímiulus 4 x1



um homem carrega 4 mulheres

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Trecho de "O Teatro do Bem e do Mal" - Eduardo Galeano


"Essas luzinhas da noite estão nos espiando? As estrelas tremem de estupor e medo. Elas não conseguem entender como continua dando voltas, vivo ainda, esse nosso mundo, tão fervorosamente dedicado à sua própria aniquilação. E estremecem de susto, porque já viram que este mundo começa a invadir outros astros do céu."

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Que época

Os primeiros anos de uma vida readaptada.
O fim da guerra subtamente se apresentou com o sol da manhã seguinte. E nós ficamos aliviados em poder confiar no homem que falava na sala através da tv nova. As pessoas respiram fundo e passam a olhar em direção ao futuro. Um futuro incerto, mas ao menos existe a certeza de um futuro.
Elas poderiam estar em frangalhos, com suas vidas enclausuradas no terror e na paranóia, mas preferiram confrontar a possibilidade de um recomeço. Podemos sentir o toque do American Way of Life em nossas peles, espalhando no ar o rock, o cinema, a modernidade. Uma nova ordem mundial de otimismo insurge. São os anos dourados entrando em cada casa, apresentando uma revolução comportamental e tecnológica. As descobertas científicas chegando toda manhã no nosso jardim, celebrando o progresso em páginas de jornais.
E o sol batendo todo dia em nossas janelas de madeira, em algum lugar da década de 1950.

Morreu de quê (Enki)


Lola - Por que você faz esse som com a garganta?
Enki - Ah, isso? Não sei, começou há algumas semanas. Talvez o início de algum resfriado.
Lola - Eu sei o que é! Eu vi em um filme, acho. Quando uma pessoa morre, às vezes ela leva um trauma de sua vida em sua alma. É como um eco que fica se repetindo, impossível de ser calado.
Enki - Como assim?
Lola - Suponhamos que você tenha morrido e não saiba ainda... Nossa! Eu posso estar falando com um fantasma!
Enki - Não Lola, não perde o foco.
Lola - Bom, você pode ter morrido de algo relacionado com a garganta: afogado, sufocado, engasgado, enforcado...
Enki - Claro que não! Teoria interessante essa, mas totalmente descartável.
Lola - Envenenamento, quebrou o pescoço... ou cortaram sua garganta! Assassinato!
Enki - Chega Lola! Claro que não, é só um pigarro. E outra, eu estou vivo! Perceptivelmente vivo...

Cidade grande ou pequena:


Há 30 anos poderiamos considerá-la uma cidade pequena.
Sua surpreendente expansão e explosão demográfica jogou-a no caminho irrevewrsível do progresso. Projeções já diziam que menos de uma década se tornaria uma cidade grande.
Imigrantes já a consideravam uma das melhores aspirações do país. E não estavam errados, pois sua prosperidade trazia a primessa de uma cidade modelo.
Curiosamente, durante o periodo da grande guerra, a população da cidade entrou em declinio. Alguns diriam que é uma situação normal decido ao cenario mundial. Fato é que os dados comprovam uma redução de quase 45% da população.
Teorias conspiratórias dizem aquela ser a real população da cidade desde sempre, se não levarmos em conta o censo adulterado dos últimos anos com objetivo de forçar um desenvolvimento.
Hoje podemos considerá-la uma cidade bem desenvolvida, com uma infra-estrutura capaz de abrigar uma população de cidade média grande (300 a 500 mil habitantes). Mas sua densidade demográfica nos leva a considerá-la também algo como uma cidade fantasma.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O aprendiz de filósofo e o espírito que pairava sobre a água do aquário

Eis um trecho de "As Intermitências da Morte" de José Saramago:

Apesar de tudo, apesar dos falsos suicidas e dos sujos negócios da fronteira, o espírito de aqui continuava a pairar sobre as águas, não as do mar oceano, que esse banhava outras terras longe, mas sobre os lagos e os rios, sobre as ribeiras e os regatos, nos charcos que a chuva deixava ao passar, no luminoso fundo dos poços, que é onde melhor se percebe a altura a que está o céu, e, por mais extraordinário que pareça, também sobre a superfície tranquila dos aquários. Precisamente, foi quando, distraído, olhava o peixinho vermelho que viera boquejar à tona de água e quando se perguntava,já menos distraído, desde há quanto tempo é que não a renovava, bem sabia o que queria dizer o peixe quando uma vez e outra subia a romper a delgadíssima película em que a água se confunde com o ar, foi precisamente nesse momento revelador que ao aprendiz de filósofo se lhe apresentou, nítida e nua, a questão que iria dar origem à mais apaixonante e acesa polémica que se conhece de toda a história deste país em que não se morre. Eis o que o espírito que pairava sobre a água do aquário perguntou ao aprendiz de filósofo, Já pensaste se a morte será a mesma para todos os seres vivos, sejam eles animais, incluindo o ser humano, ou vegetais, incluindo a erva rasteira que se pisa e a sequoiadendron giganteum com os seus cem metros de altura, será a mesma a morte que mata um homem que sabe que vai morrer, e um cavalo que nunca o saberá. E tornou a perguntar, Em que momento morreu o bicho-da-seda depois de se ter fechado no casulo e posto a tranca à porta, como foi possível ter nascido a vida de uma da morte da outra, a vida da borboleta da morte da lagarta, e serem o mesmo diferentemente, ou não morreu o bicho-da-seda porque está vivo na borboleta. O aprendiz de filósofo respondeu, O bicho-da-seda não morreu, a borboleta é que morrerá, depois de desovar, Já o sabia eu antes que tu tivesses nascido, disse o espírito que paira sobre as águas do aquário, o bicho-da-seda não morreu, dentro do casulo não ficou nenhum cadáver depois de a borboleta ter saído, tu o disseste, um nasceu da morte do outro, Chama-se metamorfose, [...] Falávamos da morte, Não da morte, das mortes, perguntei por que razão não estão morrendo os seres humanos, e os outros animais, sim, por que razão a não-morte de uns não é a não-morte de outros, quando a este peixinho vermelho se lhe acabar a vida, e tenho que avisar-te que não tardará muito se não lhe mudares a água, serás tu capaz de reconhecer na morte dele aquela outra morte de que agora pareces estar a salvo, ignorando porquê, Antes, no tempo em que se morria, nas poucas vezes que me encontrei diante de pessoas que haviam falecido, nunca imaginei que a morte delas fosse a mesma de que eu um dia viria a morrer, Porque cada um de vós tem a sua própria morte, transporta-a consigo num lugar secreto desde que nasceu, ela pertence-te, tu pertences-lhe, E os animais, e os vegetais, Suponho que com eles se passará o mesmo, Cada qual com a sua morte, Assim é, Então as mortes são muitas, tantas como os seres vivos que existiram, existem e existirão, De certo modo, sim, Estás a contradizer-te, exclamou o aprendiz de filósofo, As mortes de cada um são mortes por assim dizer de vida limitada, subalternas, morrem com aquele a quem mataram, mas acima delas haverá outra morte maior, aquela que se ocupa do conjunto dos seres humanos desde o alvorecer da espécie, Há portanto uma hierarquia, Suponho que sim, E para os animais, desde o mais elementar protozoário à baleia azul, Também, E para os vegetais, desde o bacteriófito à sequóia gigante, esta citada antes em latim por causa do tamanho, Tanto quanto creio saber, o mesmo se passa com todos eles, Isto é, cada um com a sua morte própria, pessoal e intransmissível, Sim, E depois mais duas mortes gerais, uma para cada reino da natureza, Exacto, E acaba-se aía distribuição hierárquica das competências delegadas por tânatos, perguntou o aprendiz de filósofo, Até onde a minha imaginação consegue chegar, ainda vejo uma outra morte, a última, a suprema, Qual, Aquela que haverá de destruir o universo, essa que realmente merece o nome de morte, embora quando isso suceder já não se encontre ninguém aí para pronunciá-lo, o resto de que temos estado a falar não passa de pormenores ínfimos, de insignificâncias, Portanto, a morte não é única, Concluiu desnecessariamente o aprendiz de filósofo, É o que já estou cansado de te explicar, Quer dizer, uma morte, aquela que era nossa, suspendeu a actividade, as outras, as dos animais e dos vegetais, continuam a operar, são independentes, cada uma trabalhando no seu sector, Já estás convencido, Sim, Vai então e anuncia-o a toda a gente, disse o espírito que pairava sobre a água do aquário. E foi assim que a polémica começou.

sábado, 9 de outubro de 2010

Radio em cena

uma maneira muito interessante, ao meu ver, de usar a radionovela (ou algo parecido) em cena. alguns já viram, outros ainda devem ver. (e outros rever)
cena de "A Scanner Darkly" (não achei versao legendada e nem consegui o link pra incorporar, entao acesse pelo endereço abaixo:)

http://www.youtube.com/watch?v=kaLLy-U8MkI

texto:

[Freck turns on the radio]
Freck Suicide Narrator: Charles Freck, becoming progressively more and more depressed by what was happening around him, decided, finally, to off himself. There was no problem in the circles where he hung out in putting an end to yourself. You just bought a large quantity of downers and took them with some cheap wine. The planning part had to do with the artifacts he wanted found on him by later archeologists. He had spent several days deciding, much longer than he had spent deciding to kill himself. He would be found lying on his back, on his bed, with a copy of Ayn Rand's The Fountainhead and an unfinished letter to Exxon, protesting the cancellation of his gas credit card. That way, he would indite the system, and achieve something by his death, over and above what the death itself achieved. At the last moment, he changed his mind on a decisive issue and decided to drink the pills with a connoisseur wine, instead of Ripple or Thunderbird. So he set off on one last drive, over to Tiny's Liquors, which specialized in fine wines, and bought a bottle of 2001 Azalea Springs Merlot, which set him back almost seventy dollars. Back home again, he uncorked the wine, let it breathe, drank a few glasses of it, tried to think of something meaningful but could not, and then, with a glass of Merlot, gulped down all the pills at once. However, he had been burned. Instead of quietly suffocating, Charles Freck began to hallucinate. The next thing he knew, a creature from between dimensions was standing beside his bed, looking down at him disapprovingly.
Freck: You gonna read me my sins?
[Creature nods]
Freck: Eh, it's gonna take a hundred thousand hours.
Creature: Your sins will be read to you ceaselessly, in shifts, throughout eternity. The list will never end.
Creature: [starts reading] "The Sins of Freck"
Freck Suicide Narrator: Charles Freck wished he could take back the last half hour of his life.
Creature: [Creature continues to read] "... theft of fingernail clippers..." "... you did knowingly and with malice..." "... punched your baby sister, Evelyn..." "... December, theft of Christmas presents..." "... one billion lies..."
Freck Suicide Narrator: One thousand years later, they had reached the sixth grade, the year he had discovered masturbation.
Creature: [Creature continues to read] "... November fourteenth, Percodan... Vicodin... Cocaine..."
Freck Suicide Narrator: Charles Freck thought, "At least I got a good wine."